Minha morte e minha infância
dois tópicos de conversa recorrentes com minha melhor amiga
Um texto sobre meu sentimento agoniante sobre morte, uma música da Hannah Montana, minhas infância e algumas conversas
Eu nunca precisei lidar com o luto. Não diretamente, pelo menos. Eu sei que sou sortuda, mas isso não ameniza meu medo ou me faz pensar que será sempre assim.
Me lembro da primeira vez que recebi a notícia que alguém que eu conheci morreu. Era um pai de uma amiga, ele era amigo dos meus pais e a menina estudava comigo há bastante tempo. Tínhamos oito anos e lembro que chorei, mas não sabia direito porque eu estava triste, era estranho, eu estava triste por ela ter perdido alguém tão especial de forma tão horrível. (ele foi baleado durante um assalto à relojoaria da família)
Também lembro do meu dindo dizendo pra minha priminha, ainda bem pequena, que uma parente deles que tinha morrido tinha virado estrelinha. Eu fui no velório dessa parente porque minha mãe sempre ensinou que deveríamos ir num velório, não pelo morto, mas por apoio aos familiares.
Minha toda é católica, não tenho nenhum problema com isso. Minha família é bem flexível, principalmente meu pai e minha mãe, eles nunca me obrigaram a ir na igreja ou algo do tipo, fiz catequese e crisma porque eu quis. Então, não deveria ter dificuldade pra acreditar que todos vamos para o céu, certo? Eu não deveria temer a morte, deveria vê-la como um ponto de reinício, né? Porém, não é assim que funciona.
Eu acredito no céu e no inferno, na maioria do tempo. Mas, existem pequenos momentos que eu começo a pensar demais, geralmente logo antes de dormir que lágrimas começam a, descontroladamente, rolar pelo meu rosto. Isso acontece desde que sou criança e nunca entendi muito bem o motivo, nunca entendi do que eu tinha medo. Nunca entendi se era medo.
Lembro que uma vez, eu estava passando a tarde na casa de uma amiguinha e ela me perguntou qual poder eu gostaria de ter. Eu disse que queria ser imortal. Depois de pensar só por alguns segundos, ela disse, "nossa, mas daí o mundo ia acabar, tu ia ficar passando fome, frio, dor e não ia poder morrer", não sei se ela falou isso só num tom "deixa de ser burra, tanto poder bom e tu escolhe esse" mas sei que fiquei pensando nisso por um tempo.
Lembro que na pandemia, a estética "indie core" estava em alta, e lembro que uma vez vi uma moça dizendo que essa estética tinha miçangas, presilinhas no cabelo, desenhos e muito colorido, coisas que geralmente, são associadas a infância. Ela explicava que provavelmente era porque a humanidade tava passando por um momento um tanto caótico e por isso, estávamos buscando segurança, de certa forma, na nossa infância.
Esses dias, fiquei até às quatro da manhã stalkeando meu pai, minha mãe e todos os meus dindos no Facebook. Estava encantada com fotos e posts de coisas que eu não lembro porque era muito pequena, ou que eu lembro, mas estão guardadas no fundo da minha cabeça.
Essas memórias me passam certa felicidade, é reconfortante saber que, mesmo eu tendo algumas memórias ruins de quando eu era pequena que me marcam até hoje, minha infância foi melhor do que a da maioria das pessoas. por esse motivo, muitas coisas que, sem eu perceber, me remetem a infância, me passam tanta segurança.
Nostalgia é minha maldição e minha cura. É meu remédio por que às vezes, me trás calma e felicidade, me faz pensar que vai ficar tudo bem.
Adoro a sensação de reassistir o mesmo vídeo pela milésima vez, adoro assistir edits de alguma série que eu costumava gostar, adoro ler meu diário de anos atrás, adoro quando estou no insta e dou de cara com a abertura de algum programa que eu assistia.
Esses dias, percebi que nenhum gosto meu mudou totalmente, a essência deles continua a mesma. Por exemplo, eu costumava brincar com aqueles brinquedos em forma de comida que tinham velcro e usava uma faquinha pra separar eles, hoje, faço um bolo, cookies ou brownie sempre que preciso pensar. Eu mudei, eu cresci, mas no fundo, eu sou só a criança que lia livros de princesas que viviam felizes para sempre com os príncipes, só que agora os livros são um pouco mais detalhados nem sempre elas ficam com os príncipes.
É reconfortante ter um lugar pra voltar. Mês passado estava obcecada com um grupo de Youtubers que eu assisti por um tempo uns anos atrás, uma parte de mim gosta de saber que não fui só eu que cresci, uma parte de mim gosta de ver que as pessoas que eu assistia cresceram também. Estava olhando alguns vídeos deles e um era com uma música da Hannah Montana. Eu não fui uma criança da Disney Channel, mas essa música com certeza me pega toda vez.
Você não sabia que
Don't you know
Você pode mudar seu penteado, pode trocar de roupa
You can change your hair, and you can change your clothes
Pode mudar de ideia, a vida tem dessas
You can change your mind, that's just the way it goes
Pode dizer adeus e pode dizer olá
You can say goodbye, and you can say hello
Mas sempre encontrará o caminho de volta pra casa
But you'll always find your way back home
É interessante, essa é a música que toca na minha cabeça toda vez que percebo que estou voltando a gostar de algo que eu já fui obcecada. É engraçado, quando alguém fala de algum desses assuntos, eu instantaneamente pens "nossa, anos atrás eu ia saber explicar isso tão bem" e isso me faz pensar que o tempo tá passando rápido, me faz pensar que eu nunca vou poder voltar pra algo que eu já vivi, me faz pensar que eu nunca vou voltar a ser criança, me faz pensar que as coisas vão ficar cada vez mais complexas e nunca vão voltar e ser tão simples quanto um dia foram. Essa é a parte amaldiçoada da nostalgia.
Essa é a parte que quase me enlouquece quando eu penso que o tempo está passando tão rápido que tenho medo de piscar e minha vida ter passado.
Esse sentimento, de angústia, desespero e melancolia me assombra a muito tempo, sempre associei ele a música Aquarela, sentia isso quando o Toquinho repetia diversas vezes "descolorirá...", é esse sentimento, mas mais forte.
Lembro de uma vez que eu estava chorando e chamei meu pai porque estava com medo, não tinha tido um pesadelo, pelo contrário, o que me assustava era justamente isso, estar com medo de algo inevitável e inesperado. O que me assustava é que ninguém poderia me dizer que eu não precisava ter medo porque esse monstro não existia, ele existe, mas eu teria que entender que não é um monstro, o que é difícil e até hoje não aceitei totalmente.
Nesse dia, meu pai deitou comigo, me abraçou e disse pra eu pensar menos na minha morte e pensar em quantas coisas lindas eu ainda tinha que viver pela frente, pediu pra que eu pensasse nas viagens que eu queria fazer, nos sonhos que eu podia realizar, logo, as lágrimas tinham ido embora e eu estava dormindo.
Obviamente essa agonia não passou, ainda não sei explicar se é medo ou desespero, sei que é ruim, choro de soluçar toda vez que penso demais, aprendi a chorar quietinha e me acalmar, mas às vezes, tenho vontade de correr pro quarto dos meus pais e perguntar se eu posso dormir lá, porque estou com medo do futuro.
Ano passado, quando estava chorando, minha mãe entrou no quarto e perguntou o que houve, não consegui explicar direito, falei que tinha medo de morrer e algumas outras coisas e ela perguntou se eu acreditava em Deus. (Sim, mãe, eu acredito, não preciso de uma palestra sobre catolicismo, só quero um abraço)
Com o tempo, fui percebendo algumas coisas que eram meio "gatilho" pra mim, ouvir Aquarela por exemplo, geralmente evito porque começo a chorar. Estou aprendendo a lidar com isso, nunca mais falei sobre com meu pai e eu e minha mãe fingimos que a conversa nunca aconteceu. Geralmente, quando isso acontece, eu choro bastante e tento pensar em outra coisa, nem sempre consigo isso rápido, mas sempre passa.
Ainda não sei explicar o que sinto, sei que já ouvi que eu deveria viver mais e se preocupar mais com a minha vida e não com a minha morte. Sei que não quero morrer e ter vivido pouco, então tento sempre aproveitar o máximo de tudo.
Beijos, Malu.
Sinceramente, espero que nenhuma de vocês se identifique. É um sentimento péssimo e não desejo pra ninguém, mas, se você também sente isso, espero não ter te feito chorar e se você quiser conversar, pode contar comigo.
nossa maluuu, eu sou exatamente assim, inclusive chorei lendo 😭
Malu, seu texto me tocou de um jeito que nem sei explicar. tem algo de muito sincero e bonito na forma como você traduz esses sentimentos difíceis, como se fosse uma tentativa de dar forma ao que, às vezes, a gente nem sabe nomear. me identifico muito. obrigada por compartilhar algo tão profundo. 💛